Na série Decifrando o Rótulo procuramos trazer, além dos aspectos técnicos do vinho, um pouco da história e cultura estampadas no rótulo, no produtor ou na região.
O vinho diferencia-se de outras bebidas por estar sempre intimamente ligado à cultura local, ainda que sua produção seja industrial.
O CONVENTO DA GLÓRIA
O nome do vinho refere-se ao extinto Convento de Nossa Senhora da Glória, situado em Lagos, cidade da região de Algarve, sul de Portugal, e que recebeu este nome porque em 24 de dezembro de 1708 uma enorme imagem de Nossa Senhora, de extraordinária perfeição, surgiu na Praia de São Roque após o naufrágio de uma nau que se encaminhava do Brasil a Portugal. Com o passar dos anos, uma série de acontecimentos envolveu a imagem da santa, entre lutas, guerras e milagres. Saiba mais sobre a história aqui.
O “Convento da Glória” destaca-se por ser um varietal (vinho feito com uma única espécie de uva, no caso a Tinta Roriz) em um país onde a regra é fazer vinhos de corte (mistura de duas ou mais espécies). A Tinta Roriz, conhecida por diversos nomes, desde o famoso "Tempranillo" (Brasil), passando por Tinta Del País (em Ribera del Duero), Aragonez (no Alentejo), Concibel (Castilla-la-mancha), Tinta Del Toro (Toro, Espanha) Tinto Fino (em Extremadura) ou Ull de Llebre (Catalunha) fornece a esse vinho muita personalidade e intensos aromas de frutas vermelhas a negras, amora, leve balsâmico, pimenta, chocolate e canela, engrandecidos pelos 6 meses de envelhecimento em garrafa.
A Vinícola Caves da Montanha, produtora do vinho, realizou um excepcional trabalho no rótulo, remetendo sua grafia ao barroco, estilo artístico vigente no já citado ano de 1708, que marca o aparecimento da imagem de Nossa Senhora em Lagos. O desenho abusa das características marcantes do Barroco, como a reprodução de fios de ouro entrelaçados delicadamente, denotando riqueza e esplendor exuberantes, muito contraste e a dualidade da época entre as riquezas terrenas (como o ouro) e a salvação pela fé. Veja os belíssimos detalhes do rótulo na imagem abaixo, com a letra "C" representada de forma brilhante, em meio a rococós e com um grande cacho de uvas envolto em folhas de ouro no seu interior.
As uvas e o ouro reforçam o aspecto dualístico, já que este é um dos maiores símbolos de riqueza terrestre, de homens e nações, enquanto a videira, a uva e o vinho são símbolos de fé, referenciados na Bíblia em inúmeras passagens, simbolizando plenitude, vida em abundância, longevidade e fertilidade, representando o sangue de Cristo para os cristãos e a possibilidade de alcançar uma nova vida para os israelitas. Na Páscoa, ao lado do pão, representa a ressureição de Jesus.
A imagem acima, de Nossa Senhora da Glória, envolta na riqueza de seu manto bordado, traz novamente a simbologia das uvas.
Em Portugal, país com 81% da população professando o catolicismo, a tradicional vinícola Caves da Montanha é referência na região da Bairrada. Fundada em 1943, possui tradição na produção de espumantes que descansam nas adegas subterrâneas com capacidade para 3 milhões de garrafas!!!
Pertencente à Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa (CVR LISBOA), a vinícola produz esse belo vinho de corpo médio, com carvalho e balsâmico no retrogosto, média acidez, taninos bem arredondados e gastronômico, harmonizando sensacionalmente com carnes vermelhas, queijos moles e o bom bacalhau português em todas as suas variações.
Mapa que mostra a localização da cidade de Lagos (ao Sul), da Praia de São Roque (onde a imagem foi encontrada), de Anadia (cidade de produção do vinho), de Lisboa (capital) e da região da Bairrada, que inicia em Coimbra e envolve Anadia.
Saúde sempre, amigos!!
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